Dias depois, a promotora do Ministério Público de Santa Catarina Mirela Dutra Alberton ajuizou uma ação cautelar pedindo o acolhimento institucional da menina em um abrigo. A criança estava longe de sua casa para ficar afastada do agressor, mas, como a própria juíza admitiu em despacho, ela permaneceu no local também como uma forma de impedir que a mãe da criança buscasse o aborto legal. Depois da repercussão do caso, ela foi liberada para voltar para casa.
Em 9 de maio de 2022, a criança participou de uma audiência judicial junto com a mãe, a juíza e a promotora. Na reunião, o grupo se comprometeu a evitar que a menina fosse vítima de abuso, mas a juíza e a promotora tentaram induzi-la a não realizar o aborto.
“Você suportaria ficar mais um pouquinho?”, questiona a juíza nas imagens. A promotora Alberton completa: “A gente mantinha mais uma ou duas semanas apenas a tua barriga, porque, para ele ter a chance de sobreviver mais, ele precisa tomar os medicamentos para o pulmão se formar completamente”. Ela também se tornou alvo de uma reclamação disciplinar do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público), que vai averiguar sua conduta.
Alberton continua e sugere que o aborto faria a criança de 11 anos ver o bebê agonizar até a morte: “Em vez de deixar ele morrer – porque já é um bebê, já é uma criança –, em vez de a gente tirar da tua barriga e ver ele morrendo e agonizando, é isso que acontece, porque o Brasil não concorda com a eutanásia, o Brasil não tem, não vai dar medicamento para ele… Ele vai nascer chorando, não [inaudível] medicamento para ele morrer”.
Veja parte do diálogo que a juíza teve com a criança:
"Qual é a expectativa que você tem em relação ao bebê? Você quer ver ele nascer?", pergunta a juíza.
"Não", responde a criança.
"Você gosta de estudar?"
"Gosto."
"Você acha que a tua condição atrapalha o teu estudo?"
"Sim."
"Você tem algum pedido especial de aniversário? Se tiver, é só pedir. Quer escolher o nome do bebê?"
"Não."
"Você acha que o pai do bebê concordaria pra entrega para adoção?", pergunta, referindo-se ao estuprador.
"Não sei", diz a menina.
Outro lado
Em nota divulgada nesta segunda-feira (20), a juíza Joana Ribeiro Zimmer informou que não se manifestaria "sobre trechos da referida audiência, que foram vazados de forma criminosa". Ela ainda afirmou que o caso tramita em segredo de Justiça e que buscava garantir a devida proteção integral à criança.
O posicionamento também criticou a divulgação da audiência pela imprensa. "Com o julgamento do STF pelo não reconhecimento do direito ao esquecimento, qualquer manifestação sobre o assunto à imprensa poderá impactar ainda mais e para sempre a vida de uma criança. Por essa razão, seria de extrema importância que esse caso continue a ser tratado pela instância adequada, ou seja, pela Justiça."
Já a promotora Mirela Dutra Alberton respondeu que o hospital havia se recusado a realizar a interrupção da gravidez e que os médicos agiriam se houvesse uma situação concreta de risco à vida da criança. “Por conta dessa recusa da rede hospitalar, inclusive com documentos igualmente médicos encaminhados à 2ª Promotoria de Justiça de Tijucas, no momento da propositura da ação era nítido que a infante não estaria sujeita a qualquer situação de risco concreto, o que, inclusive, tem se confirmado em seu acompanhamento”, afirmou em nota.
Investigação
O Tribunal de Justiça de Santa Catarina ressaltou que o processo está em segredo porque envolve menor de idade, "circunstância que impede sua discussão em público", e que a Corregedoria-Geral da Justiça do estado já instaurou pedido de providências na esfera administrativa para investigar os fatos.
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) de Santa Catarina manifestou preocupação com o caso. "Dentre as situações em que a legislação brasileira autoriza a interrupção da gravidez estão a violência sexual e o risco de vida para a gestante. Diante disso, estamos buscando junto aos órgãos e instituições com atuação no caso todas as informações necessárias para, de forma incondicional, resguardarmos e garantirmos proteção integral à vida da menina gestante", afirmou a instituição.